Coisa de Mãe, Desabafo, Virei mãe

Meu pitaco sobre o Dia das Mães

Outro Dia das Mães chegando, o terceiro que eu comemoro “do lado de cá”: como mãe e não somente como filha.

Tendo um mommy blog, é óbvio que eu escreveria um post sobre o tema, mas confesso que o tom mudou um pouco da idéia original, por fatos que eu soube por estes dias, que me abalaram mas reforçaram minha idéia do que é “ser mãe”.

E o que é ser mãe?

Em termos meramente biológicos, mãe é qualquer mulher capaz de gerar e parir um ser. Portanto, pariu, “virou mãe”, certo?

No sentido mais simplista da coisa, sim: mulher engravidou, chegou ao termo, entrou em trabalho de parto, fez um esforço danado (ou não), sentiu dores homéricas (ou não), pariu. Ou, mulher engravidou, chegou ao termo, marcou cesariana, chegou no hospital no dia certo, levou um rasgo na barriga, deu à luz. Pronto, de um jeito ou de outro, virou mãe.

Ah, entendi.

Então, neste segundo domingo de maio, iremos comemorar o dia de todas as mulheres que um dia trouxeram uma criança ao mundo, incluindo aquela da província de Edmonton, aqui no Canadá, que matou, por overdose, seu bebê de 10 dias de vida. Também as que abandonam seus filhos, que espancam, que os usam para prostituição infantil, que os deixam passar fome, que os usam para pedir esmolas nas ruas; e aquelas que dizem dar de tudo a seus pimpolhos queridos, de babás a escolas caras, roupas finas, brinquedoteca, exceto: amor, respeito, carinho, atenção, dedicação.

Não sei você mas, para mim, não me parece que Dia das Mães seja isso. Se for assim, razoável mudar o nome da data para o Dia das Que Conseguem Parir, ou coisa do gênero.

Para mim, ser mãe é muito mais do que gerar um ser e deixá-lo vir ao mundo.

Mãe, para mim, é a mulher que se dispõe a amar seu filho de forma incondicional, vindo ele de onde vier – de dentro do seu útero ou do vente alheio. É aquela que não se opõe a assinar o contrato imaginário e vitalício que há de se firmar entre mãe e filho, selando uma união eterna e ímpar, onde ela se dará por inteiro, em tempo integral, sem saber por quanto tempo ou o que receberá em troca, se receberá.

Mãe, para mim, é cultivo, lavoura; trabalho duro, árduo e constante, de sol a sol. É cuidar de uma plantação que nem sabemos se vai vingar ou se iremos estar aqui para saber da colheita.

E há de se ter um baita celeiro forrado até o teto de amor incondicional, paciência infinita, resistência física e emocional, voto inquebrável de entrega e devoção para todo o sempre, enquanto vivos e mesmo mortos. Porque mãe não deixa de ser mãe quando o filho parte, antes dela. Filho não deixa de ser filho, morto ou vivo. A amiga da minha amiga que perdeu sua filhinha de seis anos, esta semana, para um câncer, será mãe dela para sempre. Uma mãe despedaçada, mas mãe. A relação entre filho e mãe é a mais intrínseca e permanente que existe.

O marido se foi, arranja-se outro. A amiga pisou na bola? Consolide as amizades que ficaram ou faça outras. Mas, e filho? Ele pode magoar, desapontar, virar as costas para você, nunca mais querer vê-la pintada de outro na frente, mas será sempre seu filho.

Mãe também. Podemos quebrar o pau com as nossas, nos distanciarmos mesmo morando perto ou sermos grudadas, mesmo estando longe – você num país, ela no outro. Mas elas sempre serão nossas mães.

Não dá para sair por aí e arranjar outra mãe, outro filho. Podemos até ter mais de um filho, mas cada um será único perante nossos olhos e nossos corações (mesmo que eles não acreditem).

Não tem jeito, amiga: uma vez tocada pelo brasão da maternidade, você estará marcada para sempre.

E de onde vem todo esse arsenal de sentimentos que nos alçam de meras parideiras à mães? Vêm junto com o bebê, na hora do parto, numa bolsinha anexada à placenta?

Admito que os hormônios durante e pós gravidez ajudam bastante, chegando a nos “transformar” em pessoas que nem sabíamos que poderíamos ser. Como diz a expressão popular, nos transformam em “leoas” protegendo a prole. Quem chegar perto, periga tomar patada e até mordida!

Mas hormônios sozinhos não fazem milagres. Ser mãe é aprendizado e adaptação. Eu me lembro perfeitamente de não ter sido inundada por aquele sentimento cego, mágico de amor celestial que dizem que a gente tem assim que dá à luz.Claro, pegar a Alicia no colo pela primeira vez foi de uma emoção animal, indescritível, mas eu estava tão cansada e atordoada com a nova situação que não me senti condutora de nenhum sentimento mais divino, não. Falar a verdade, depois, espiando-a no bercinho, eu a achei um tanto feia, coitadinha!

O que bateu primeiro, em mim, foi a responsabilidade de cuidar daquele ser: aprender rápido a alimentá-lo, trocá-lo, mantê-lo seco, confortável, agasalhado e limpo.

Somente depois, quando já estávamos em casa, é que o “amor mais puro e verdadeiro do mundo” começou a brotar dentro de mim; devagar, de mansinho, à medida que íamos nos acostumando uma com a outra, nos conhecendo, estreitando nossa comunhão a cada mamada, a cada banhinho, a cada troca de fralda.

Quando tomei plena consciência de que não bastava alimentá-la, trocá-la, mantê-la seca, confortável, agasalhada e limpa. Era preciso uma conexão nossa de corpo, alma e sentimentos. Era preciso ensinar a ela tudo o que eu aprendi até hoje e aprender com ela o que eu ainda não sabia: ser mãe. Ali, assinamos o contrato e eu comecei a “virar mãe”.

Eu sempre brinco com esta expressão, pela (falsa) impressão que ela dá de que a mulher, assim que dá à luz, adquire, como que por osmose com o Cosmo, todo o conhecimento, sabedoria, discernimento e visão que uma mãe tem que ter. Quem me dera.

Mas, se assim fosse, o que seria, então, das mães de filhos adotados, de barriga de aluguel, de filhos de outros relacionamentos, parentescos e por aí vai? Coitadas, estariam ferradas.

Se fosse assim, então, não haveria de ter, sequer, um bebezinho abandonado no mundo. Nem casos de crianças mal-tratadas, espancadas, torturadas ou morrendo de overdose aos 10 dias de vida.

Não. Parir não faz nenhuma mulher “virar mãe”. Tem muita vagabunda por aí que deveria ter nascido sem ventre. Desculpe o palavreado chulo, mas é desabafo de alguém que, por vezes, não consegue entender a dinâmica da natureza.

Me revolta conhecer tantas mulheres que mereciam poder conceber seus filhos mas que não conseguem. Revolta porque ainda vivemos numa sociedade de rótulos, fazendo-nos acreditar que somos “perfeitas” se podemos engravidar mas “defeituosas” se não. O bullying interno e externo que cerca a questão, o sentimento de falência quando não caímos no quadrante certo.

Foi exatamente assim que eu me senti quando sofri aborto espontâneo da primeira vez que engravidei, com quase doze semanas de gestação. Na mesa de curetagem, ainda me lembro (nunca vou esquecer) de chorar e pedir perdão para o meu filhinho, por não ter conseguido segurá-lo no meu ventre, por ter falhado com ele. Me senti a pessoa mais fracassada do mundo, sem direito de ser chamada de mulher, porque gerar um ser é o suprassumo da nossa essência, o que nos define, não? Se não consigo fazer nem isso, que deveria ser orgânico, o que me sobra?

Engravidei de novo e, desta vez, consegui levar a gestação até o final. Quando pensava que não havia “falhado”, desta vez, com a minha filha, outro nocaute: não conseguia amamentar, não produzia leite suficiente. What??? E esse tamanhão de peito, para quê, então? Enfeite?

Foram seis longos e árduos meses tentando. Eu não desisti, não podia, não conseguia. Não queria “falhar” com minha filha, novamente. Tomava mais de 40 cápsulas de medicamento por dia (sim, por dia) para aumentar a produção. Fazia tudo o que me diziam: mandava dois litros de leite de vaca, mais dois litros de água goela abaixo, todo santo dia. Canjica é boa? Opa, manda ver. Meditar é bom? Dá-lhe mantras. Quarenta e cinco minutos espremendo os coitados dos peitos num extrator de leite, para “estimulá-los”, DEPOIS de cada mamada? Claro, eu preciso ser uma mãe perfeita.

Não me arrependo de nada que eu fiz mas hoje tenho a consciência de que deixar de ter dado amamentação exclusiva para a Alicia não me fez mais ou menos mãe. De novo, a pergunta: e como as mães de filhos que não vieram de seus ventres fazem, então, para “serem mães de verdade”?

Hoje percebo que minha falha não foi não ter conseguido amamentar como gostaria, mas esquecer de que eu ainda estava cumprindo todo o resto do nosso contrato…Fica aqui a dica para as futuras mamães.

E, para encerrar, mais um pitaco: se você deseja ter filhos, podendo ou não tê-los naturalmente, desprenda-se do molde antiquado e estereotipado do “ser mãe”. Ao invés, deixe seu filho , vindo de onde vier, ensiná-la a ser. Foque nele e somente nele, como se a sua vida, a sua sobrevivência dependesse dos ensinamentos dele. Pois é assim que funciona: eu pari a Alicia, mas foi a Alicia quem me ajudou a “parir” a mãe que existia dentro de mim (e que eu nem sabia que existia).

Assim como foram os filhos adotados de muitas amigas minhas que as ajudaram a “parir” a mãe que existia dentro delas. Enteados que ajudam madrastas a “parirem” excelentes mães que elas nem sabiam que haviam gerado, por anos, não em seus ventres, mas em seus corações.

 

Um FELIZ DIA DAS MÃES  à todas as mães do mundo: as que são e as que hão de ser.

 

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