Remexendo em textos antigos eu achei este aqui, de março do ano passado. Não sei porque não foi publicado antes, mas eu não podia deixar de fazê-lo agora. Primeiro, porque eu acho que vai calar fundo no coração de muitas mães e segundo para certificar que é verdade: vai passar.
Quase dez meses depois que o escrevi, a vida mudou bastante: a Alicia está dormindo melhor, não acorda tantas vezes de madrugada para comer e eu já consigo prever quando isto irá acontecer, e corro consertar (geralmente, ela fica bem inquieta na cama, girando a chupeta na boca, sinal que está com fome. Desço com ela, dou um cereal com leite e ela vai dormir feliz, a noite inteira!).
De manhã, ela ainda enrola para não ir para a escola mas está cada dia menos avessa à ideia. Eu não brigo com ela por nada, só uso o jogo do inverso. o que anda funcionando, como se ela precisasse deste joguinho: “Não quer ir comigo? Ok, fica em casa, estou saindo”. Invariavelmente, ouço ela gritar: “Não, mamãe, eu quero ir, eu quero ir!”
“Não quer escovar os dentes? Tudo bem, vai com bafão para a escola” e saio andando. Lá vem ela correndo atrás de mim: “Eu quero escovar os dentes! Eu quero!”
Só o cansaço não consegui dobrar, mas porque ainda não aprendi a fazer menos e não tão perfeito. Estou tentando com este blog. Está a milhões de anos-luz do que gostaria, mas está aqui, para ser lido. Melhor do que existir só na minha cuca.
De tudo, só a certeza mesmo de que é preciso ter calma, porque vai passar. Calma para não perder a compostura e estragar tudo, calma para não deixar marcas irreversíveis, calma para se colocar no lugar do outro, calma para rir de si mesma. Calma para apreciar o que se tem, até os momentos mais caóticos porque, com calma, eles ficam mais fáceis de serem resolvidos.
Curta o texto, com calma porque é enorme.
Mais uma segunda-feira. Acordei, aliás fui abruptamente acordada pela Alicia, aos prantos, 6:30h da manhã. A peguei do berço, perguntei se queria mamadeira, xixi, colinho, e ela, aos gritos: “Arroz! Arroz!”. Como ela comeu muito mal no final de semana, achei mesmo que estivesse com fome. Consegui convencê-la de que um lanchinho de pão com queijo cairia melhor a essa hora do dia. Descemos para a cozinha, fiz o pão e ela, claro, recusou. O chororô da barriga vazia era só um jeito de conseguir rápido o que queria (sair do berço e descer para brincar). Ela está fazendo muito disso agora. Usa a comida para atrair atenção. Me deixa louca, porque eu nunca sei se ela está ou não com fome. E quando é hora de comer, não come.
A manhã seguiu, com as batalhas diárias, corriqueiras: escovar os dentes, comer alguma coisa, “não, você não vai com este vestido de princesa para a escola”, pentear os cabelos, querer ficar no penico para assistir mais TV (temos um na sala). Percebi que eu não estava lá muito bem, mas não deu tempo de prestar muita atenção. Foi só depois de entrar no carro, ao deixá-la na escola, que o cansaço bateu e o choro convulsivo rolou solto. Havia entrado em exaustão e nem percebi.
Fui trabalhar aos prantos, me sentindo como se tivesse tomado uma droga poderosa para dormir. Meu marido, em comiseração, me mandou de volta para casa. Ao entrar, só consegui desabar na cama feito um tijolo, do jeito que estava. Dormi das 11 às 3 da tarde direto: um sono agitado, com pesadelos. Acordei me sentindo pior, como se tivesse sido atropelada por um caminhão carregado de concreto.
Você já se sentiu assim?
Nestas horas fazer o quê? Recorrer a quem? Quando era mãe novata e recorria às minhas amigas, colegas de trabalho, com filhos, até mesmo minha mãe, inevitavelmente, o que ouvia era o clássico, batido: “Calma, vai passar”.
“Só isso?!”, pensava. Agora, dois anos depois de participar do clubinho, minha ficha caiu. Sim, é preciso ter calma e sim, vai passar. Felizmente ou infelizmente, vai passar.
O negócio é sacar que, implícito neste quase mantra de mãe, há um universo de interpretações e formas de aplicá-lo. Por exemplo: para mim, “calma” pode ser: respire quantas vezes for preciso para não pegar esse prato com comida que você demorou duas horas para fazer e ela se recusa a comer, e arremessá-lo contra a parede, chorando e gritando palavrões cabeludos.
“Vai passar”: lembre-se que você também era uma enjoada para comer e agora está aí, experimentando de tudo e escrevendo sobre comida para viver. Ou, “calma”, ela não está fazendo toda essa birra, se jogando no chão e atirando os brinquedinhos para longe porque é má pessoa. Ela deve estar exausta, querendo sua atenção e não sabe como se expressar de outra forma.
“Vai passar”, você ainda vai sentir saudades de ser tão importante para sua filha. “Calma”, está tudo uma bagunça, você não consegue terminar nada por mais que se planeje: parece que é este serzinho quem tem o poder majoritário sobre sua vida, pensamentos e ações. Mas lembre-se que já foi pior. A cada dia você consegue fazer mais um pouquinho, ganhar mais terreno mesmo que não perceba.
“Vai passar”, posso garantir que, você agora, troca fralda melhor do que no primeiro dia que chegou do hospital; que já tem uma rotina esperta de amamentação ou como preparar as mamadeiras. É capaz de achar uma roupinha dentro da gaveta, no escuro, somente pelo tato. Consegue interpretar, como ninguém, as caras engraçadas que sua filha faz, como aquela de quando está segurando o xixi mas não quer pedir para usar o peniquinho.
Você pode fazer muito mais do que imagina, mas está tão cansada que não consegue perceber as pequenas façanhas que já vem conquistando. Isso é normal! Coisa que também já ouvi muito: detestava, mas fica para outro post.
A hora de ir buscá-la chegou e eu não queria ir. E olha que eu sou daquelas mães que detestam creche. Sofro toda segunda-feira quando tenho que deixar a Alicia ali. Mas hoje…hoje só queria ter mais um tempinho para mim, sozinha. Posso?
Entrei no carro, me arrastando, de bico, empurrada. Na quietude da estrada, eu sozinha no carro com meus pensamentos, com tempo para prestar atenção em mim, começo a me sentir…melhor, mais leve? A exaustão passou, assim, do nada? Não. Sei que para isso serão necessárias mudanças no meu modo de viver, de encarar a maternidade; mais tempo para mim, mais horas de sono, refeições mais equilibradas. Uma ajudinha extra, de vez em quando, pode ser?
O que aconteceu foi somente um sentimento extremo sendo substituído por outro: amor doido de mãe vencendo um arrombo de exaustão. Começo a sentir meu coração bater mais rápido, meu pé pisar forte no acelerador, quero chegar logo; ver minha filha, abraçá-la, beijá-la, cheirá-la; conversar, cantar nossas músicas favoritas, ver o que ela vai trazer de novidade para casa. De exausta passei à extasiada . E percebo meu “eu” me cutucando, como que querendo dizer: “Calma, mamãe, não queira entender, analisar. Por agora, só curta sua filha porque, infelizmente, esta fase tão deliciosa da vidinha dela também ‘vai passar'”.